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Terapia-alvo: o que é ?

O assunto de hoje é a terapia-alvo em câncer de cabeça e pescoço (CCP). O  termo terapia-alvo surgiu no tratamento das neoplasias, justamente porque os quimioterápicos tradicionais atuam de maneira “genérica” impedindo a divisão celular ou induzindo a morte da célula. Por atuarem causando dano no DNA/RNA das células tumorais, por vezes este dano acaba por se estender também para células humanas sadias que crescem e se multiplicam de maneira semelhante. Os medicamentos da terapia-alvo são desenvolvidos para atuarem em regiões específicas das células tumorais que possuam algum fator responsável pelo seu crescimento e multiplicação que esteja aumentado em relação às células normais, ou então para atuarem em algum fator que exista apenas nas células tumorais. Com estes “alvos”, espera-se que o tratamento tenha uma eficácia maior e menos efeitos colaterais.

A terapia-alvo aprovada no Brasil para o tratamento do CCP é o cetuximabe (Erbitux®). Essa medicação é um anticorpo monoclonal e tem como alvo o bloqueio da via do EGFR (receptor do fator de crescimento epitelial, em inglês), uma via de crescimento e multiplicação celular que existe normalmente no corpo humano e que está aumentada em alguns tipos de câncer – por este motivo o seu uso é aprovado pela ANVISA no tratamento não só do CCP, como também do câncer de cólon e reto metastáticos.

Os principais estudos que levaram a aprovação do cetuximabe tanto no Brasil como fora dele são de 2006 e de 2008. Um deles verificou a eficácia do cetuximabe em combinação com a radioterapia naqueles pacientes que se submeteram a radioterapia com intuito curativo e que não foram operados. Um grupo recebeu radioterapia e tratamento com cetuximabe, enquanto outro foi tratado apenas com radioterapia. O que foi observado neste estudo foi que o grupo que recebeu cetuximabe apresentou um controle maior da doença e um menor número de mortes.

O outro estudo importante para a aprovação do cetuximabe é chamado EXTREME. O que foi comparado neste protocolo foi se o cetuximabe usado em combinação com o melhor esquema de quimioterapia traria benefícios quando comparado apenas com a quimioterapia. Neste cenário, os pacientes não estavam sendo submetidos a tratamento com intuito curativo, como no caso anterior, eram pacientes com doença metastática ou que havia retornado sem possibilidade de realizar nova cirurgia ou radioterapia. Os pacientes que receberam cetuximabe tiveram um controle da doença e um aumento na sobrevida global em torno de 2 meses e meio, além disso 20% a mais dos pacientes tiveram um melhor resultado pelos exames de imagem – diminuição ou estabilização da doença.

Apesar da terapia-alvo ser feita para evitar ao máximo os efeitos colaterais, eles ainda existem. Os principais são relacionados a alterações de pele, em que o paciente desenvolve lesões muito parecidas com acne e fica mais sensível ao sol. Reações alérgicas no momento da infusão do medicamento na veia também são mais comuns com o uso do cetuximabe.

O fato da medicação estar aprovada no Brasil pela ANVISA não quer dizer que ela está disponível em todos os serviços de saúde. Enquanto no setor privado o cetuximabe está disponível pela absoluta maioria dos planos de saúde, são poucos serviços vinculados ao SUS que têm a medicação a seu dispor. A CONITEC (comissão nacional para incorporação de tecnologias no SUS) é o órgão nacional ligado ao Ministério da Saúde que tem o objetivo de auxiliar quais tecnologias – nisso incluem-se os medicamentos – devem ser disponibilizadas em todo o território nacional. Na última avaliação, os membros da CONITEC deliberaram por não recomendar a incorporação da medicação no tratamento do câncer de cabeça e pescoço. Os motivos para a não incorporação são principalmente esses três: 1) o tratamento concomitante a radioterapia foi superior a radioterapia sozinha, mas não foi comparado com radioterapia associado a outros quimioterápicos, que é o tratamento padrão e também é superior a radioterapia sozinha e é disponibilizado pelo SUS (cisplatina); 2) o uso no cenário metastático teve um ganho de poucos meses de sobrevida, o que não mudou a história natural da doença; 3) a incorporação da medicação resultaria em um custo altíssimo – mais de 411 milhões de reais em cinco anos, resultando em 228 mil reais por ano de vida salvo.

Quando pensamos no indivíduo, é claro que todo mundo merece o melhor tratamento disponível, no entanto em um sistema com limites financeiros, o dinheiro deve ser empregado de uma maneira em que o maior número de pacientes seja tratado. A interpretação do governo é que este dinheiro poderia ser melhor empregado de outras maneiras – como aumentando o número de cirurgias, tratamentos com radioterapia ou mesmo aumentando a disponibilidade dos tratamentos já aprovados.

Não há dúvidas de que a terapia-alvo no câncer de cabeça e pescoço tem seu papel e é eficaz. Estudos mostraram o benefício nas doenças com estágio avançado e com estágio metastático, mas por mais que esses benefícios sejam reais para cada um, a CONITEC e o SUS acreditam que o dinheiro possa ser investido de melhor maneira. O que todos esperamos é que com uma melhor gestão financeira do Estado, um barateamento no futuro das medicações e surgimentos de biossimilares de igual eficácia, todos possam possam usufruir do melhor tratamento que existe.

Referências:

http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2015/Relatorio_Cetuximabe_MetastaseCeC_CP.pdf

http://conitec.gov.br/images/Incorporados/Cetuximabe-CancerCabecaPescoco-final.pdf

Platinum-Based Chemotherapy plus Cetuximab in Head and Neck Cancer – N Engl J Med. 2008 Sep 11;359(11):1116-27.

Radiotherapy plus Cetuximab for Squamous-Cell Carcinoma of the Head and Neck – N Engl J Med. 2006 Feb 9;354(6):567-78.

Rafael Balsini Barreto

Oncologista clínico – CRM/SC 17376 – RQE 14798

Formado em medicina pela Universidade Federal de Santa Catarina

Especializado em Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da USP

Especializado em Oncologia Clínica pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo/USP

Membro do corpo clínico da clínica SOMA

 

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